empreendedorismo feminino

a produtividade é relativa?

kalina juzwiak
November 16, 2022
empreendedorismo feminino
arte & negócios
disciplina

Estes dias, numa terça-feira, sentada à beira do mar, por volta das 11h30, depois de uma corrida, também ao longo da costa, antes de almoçar e voltar para o computador onde estava desenvolvendo uma arte para uma linha assinada de uma marca, refleti sobre a produtividade. Tantas vezes confundida com entregas, com prazos, com tempo que passamos sentados. Sendo produtivos, ou apenas cumprindo horas de uma grade de trabalho pré estabelecida? Uma carga horária exigida por uma estrutura, sistema ou talvez por uma necessidade? A concepção de que uma semana produtiva acontece de segunda a sexta, em horário tal chamado comercial?

Como viemos parar aqui? Nesta visão de que quanto mais ocupados estamos, mais produtivos estamos sendo? Quanto mais cansados, maior a taxa de conversão? A la No Pain No Gain, acreditamos fielmente que ao dar o sangue, estamos também subindo a escada do sucesso? Quantos menos tempo perdemos comendo, respirando, exercitando, maiores os cifrões na conta do banco?

Logo me lembrei de Charles Chaplin, em Tempos Modernos, que narra a vida de um trabalhador comum, um homem que está em busca de se estabelecer tanto profissionalmente quanto como indivíduo em uma sociedade cheia de inovações tecnológicas e contradições. Carlitos, o personagem principal, não se adapta à atividade repetitiva e às exigências do chefe, sempre cobrando por produtividade e desempenho. O filme retrata a preocupação e a disposição dos donos dos meio de produção em conseguirem lucrar cada vez mais explorando trabalhadores.O fato fica evidente na cena em que Carlitos é obrigado a testar uma "máquina de alimentação", que segundo seus inventores iria "facilitar" a hora do almoço dos funcionários. Na verdade, era um aparelho que prometia "alimentar" os operários enquanto eles continuavam executando suas tarefas. Outra passagem importante na fábrica é quando Carlitos se atrapalha com a produção e acaba sendo "engolido" pela máquina e entrando nas suas engrenagens.

O filme se passa na década de 30, logo após a "Grande Depressão", ou crise de 29. Nessa época, houve a recessão no capitalismo, quebra da bolsa de valores de Nova York e outras tensões sociais que resultaram em grande desemprego, fome e miséria. Havia também um crescimento tecnológico importante, a chamada "modernidade". As fábricas estavam desenvolvendo sistemas de produção para melhorar o tempo de trabalho e produção dos operários. O taylorismo e o fordismo foram algumas das estratégias da burguesia para isso. Nesses sistemas, os trabalhadores realizam apenas uma tarefa nas fábricas, aumentando a produtividade e lucro dos patrões, mas não entendendo do processo de construção dos produtos.

Sinopse e um breve contexto feito, trago isso para os tempos de hoje. Quantos de nós não vivemos como Carlitos, sem talvez nem perceber? Ou talvez até aceitando isso como uma normalidade? Não necessariamente tendo máquinas nos alimentando, mas sentados na frente de máquinas, só para aproveitar a hora do almoço para ainda responder aquele email. “É rapidinho”- enquanto dá garfadas numa comida, que nem sequer se atenta ao sabor.

O que é mais importante? E será que a produtividade nesta balança toda não é relativa? Ou ao menos questionável? Se nos “vestimos como máquinas”, para subir a escada de um sucesso que às vezes nem sequer paramos para questionar? Entrando (ou sendo engolidos) nesta grande engrenagem de uma concepção distorcida da produtividade, não estamos na verdade matando ela?

Sei que falo de um lugar de minoria na possibilidade de viver da forma que vivo. Em profissão e também em estilo de vida. Não é para todos. Mas o que questiono neste texto é a relação, independente da sua profissão, com o seu eu produtivo. Hoje vivo da forma que vivo, mas porquê quando ainda parte do sistema, já questionava alguns modelos, que pareciam não se aplicar a o que eu entendia como produtividade. Me adaptei a modelos pré estabelecidos. De horas, de semanas, de salários. E mesmo depois de me tornar empreendedora, ainda assim mantinha essa tal estrutura. Tantas vezes me levando para o meu limite físico e mental. Repetindo sempre o “tenho que” e aos poucos me sentindo como um hamster numa gaiola, correndo, sem parar, numa rodinha de plástico. Sem direção, sem progresso e sem destino.

Estudei e testei diferentes formas de trabalho, e mesmo de lucro. Este questionar começou no meu primeiro estágio, como arquiteta, ainda no segundo ano da faculdade. Quando passei na primeira entrevista aceitei o pagamento feito por hora. Na época algo como R$10 ou 20 por hora. Não me lembro bem. Mas logo, ao observar os meus colegas, via eles recebendo mais $, mas ao mesmo tempo entregando menos. No fim do dia percebi que eles não estavam preocupados efetivamente com a produtividade, ou talvez nem com a excelência, porquê refações, ou mesmo trabalhar de forma interrompida por cafés e checadas no celular, rendiam na verdade mais dinheiro na conta? Eu, focada, atenta, entregava os projetos na tentativa de não ter refações para poder fazer a energia rolar, e também os projetos, mas no fim do dia o meu salário era o menor. Mais horas, mais dinheiro, mas não necessariamente mais entrega. Esta equação me parecia errada. Distorcida. Questionei o modelo, questionei o tipo de pagamento, questionei a quantidade de horas. Mas questionei com provas factuais da distorção. Consegui negociar um salário maior, para menos horas trabalhadas. Com isso, ganhei mais horas para o meu dia, que destinei em parte para os meus esportes e autocuidado, em partes para freelas que me davam ainda uma rendinha extra. A produtividade é relativa.

No meu último emprego corporativo, depois de algumas semanas de observação seguindo o acordado modelo de trabalho, questionei e re-negociei as horas novamente. De novo para apresentar uma perspectiva pela produtividade. Eu morava longe do escritório. E a empresa era internacional, portanto prestávamos contas, e satisfação para um fuso 5 horas adiantado. Num horário comercial paulista, o escritório funcionava (teoricamente) das 9h às 18h. Chamei a minha gerente e apresentei os seguintes fatos. “Eu moro longe, portanto, para estar aqui na Berrini neste horário, eu perco horas no trânsito. E se, eu chegar mais cedo, às 7h, e sair às 16h? Com isso, ganho tempo, ganho produtividade, pois o escritório está vazio e consigo focar por algumas horas sem interrupções. E consigo atender, em primeira mão, o pessoal do exterior de forma otimizada, dentro dos horários comerciais deles.” Recebi a resposta: “podemos tentar". Tentamos e nunca mais falamos no assunto.  A produtividade é relativa.

Agora, empreendedora, continuo estes questionamentos. Claro, a liberdade de horário é total, mas os ganhos também estão diretamente ligados ao esforço que coloco nas coisas. Portanto a equação fica mais apertada em um primeiro momento de perceber que, quanto mais trabalho, mais retorno tenho. Mas será que isso é sustentável? E mesmo produtivo? Ainda mais quando falamos de criatividade? Esta que acontece na conexão de repertório e inspiração, em meio ao silêncio e o vazio. Que é como um músculo a ser nutrido e treinado. Que em meio ao caos ela deixa de funcionar de forma tão eficiente. Que quando não cuidada ela bloqueia. Quando se empreende na arte e se entende que a separação entre trabalho e vida pessoal se fundem, quando do que você se alimenta tem um impacto direto no seu nível de energia de colocar para fora. Numa equação simples de inspirar e expirar. Será que este silêncio também não é trabalho? Será que no vazio também não permite se criar o cheio? Será que um dia ultra agendado e intenso, não é na verdade contra produtivo? E então a equação do ganho se desmonta em um olhar atento. Às vezes me esqueço disso, porquê este olhar e aplicar, é também uma prática.

Nesta semana que iniciei esta reflexão, na praia, na verdade me dei conta que de novo, quando nutro o que entra, também otimizo o que sai. Manhãs de cuidado, se transformaram, no final da semana, numa semana muito mais produtiva - do que uma vivida de forma intensa na cidade. E confesso que há algum tempo não era tão produtiva também em calma, em presença, em nutrir paixões, que me (e)levam à minha melhor versão, e que se transforma, em muito foco, estudo e criação. Quanto mais me conecto com o que me nutre, mais me conecto com a potência do criar. Quanto mais cuido dos meus movimentos, mais eles voltam. É um processo de escutar, direcionar, soltar e deixar fluir. E então, a cada dia mais, crio o espaço para um pouco de tudo nesse malabarismo do viver (d)a arte, e cada parte desse todo, nutre a outra. É muita liberdade, mas ao ser conectada à disciplina, vejo, com cada vez mais clareza, que nada é isolado, e sim, que tudo está interconectado. E para mim, uma semana de pés descalços, sal no cabelo, muito esporte, conexões gentis com estranhos, belos horizontes, uma alimentação leve, um sono profundo, uma pitada de sol, resultaram em menos horas trabalhadas - em quantidade - mas definitivamente com muito mais qualidade, inspiração e muito mais foco. E assim, no balanço final, muito mais itens ticados da lista de to dos.

Como adendo, ou talvez ilustrar, de forma mais lúdica, compartilho a história do lenhador experiente e de seu aprendiz

Conta-se que um jovem lenhador ficara impressionado com a eficácia e rapidez com que um velho e experiente lenhador, da região onde morava, cortava e empilhava as madeiras das árvores.

O jovem o admirava, e o seu desejo permanente era de, um dia, tornar-se tão bom, senão melhor, do que aquele homem, no ofício de cortar madeira.

Certo dia, o rapaz resolveu procurar o velho e experiente lenhador, no propósito de aprender com quem mais sabia. Enfim ele poderia tornar-se o melhor lenhador que aquela cidade já tinha ouvido falar.

Passados apenas alguns dias daquele aprendizado, o jovem resolvera que sabia tudo, e que aquele senhor não era tão bom assim quanto falavam.

Impetuoso, afrontou seu mestre, desafiando-o para uma disputa: em um dia de trabalho, quem cortaria mais árvores. O experiente lenhador aceitou, sabendo que seria uma oportunidade de dar uma lição ao jovem arrogante.

Lá se foram os dois decidirem quem seria o melhor. Entre uma árvore e outra, o jovem olhava para o mestre, a uma certa distância, mas na maior parte das vezes o via sentado. O jovem voltava às suas árvores, certo da vitória, sentindo piedade pelo velho lenhador. No final do dia viu-se que o velho mestre tinha cortado muito mais árvores que o jovem.

Mas como é que pode? – surpreendeu-se o aprendiz, não acreditando no resultado.

Quase todas as vezes em que olhei, você estava descansando! – continuou o rapaz, do alto de sua arrogância.

Não, meu filho, eu não estava descansando. – disse o mestre, com toda sua sabedoria.

Eu estava afiando o machado. E percebi que você usava muita força e obtinha pouco resultado. Foi por isso que você perdeu a competição. – concluiu o mestre.

A produtividade é relativa!

Como você tem cuidado das partes da sua equação?

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