mercado da arte

não pergunte a um artista o que ele faz, e sim o porque

kalina juzwiak
September 12, 2022
auto-conhecimento
empreendedorismo feminino
reflexão
mercado da arte

Estes dias, durante uma mostra tive uma conversa com uma artista, que recentemente também havia visitado a SP-Arte. Uma jovem artista, que está encontrando a sua voz, sua identidade, que está experimentando e mergulhando cada vez mais no mercado da arte a fim de entendê-lo e também se posicionar. Ela disse que notou, em certa galeria, como um artista havia feito uma grande instalação de uma árvore, trazendo nela alguns elementos de cobre. No mesmo espaço em outra parede, uma outra instalação, dele também que também tinha elementos de cobre, mas nada tinha a ver com a árvore. E me perguntou: “kaju, quando falamos de identidade nesse caso, a dele é o cobre que usou nas duas obras? Isso define uma identidade?”

Eu respondi: “Não. Não é sobre o que está sendo feito. E sim, sobre o porquê.

É natural que a gente pense que a identidade de um artista é aquele tal chamado estilo. Ou o material que usa. Aquilo que vai talvez conectando ele, durante anos de produção. A verdade é que muitos artistas se seguram nisso. E isso não está errado. E é também nisso que muitos  apreciadores, ou mesmo não, você, ou outra pessoa, se baseiam, quando olham uma obra e dizem: É bonita, mas não entendo nada de arte. Ou mesmo, quando conhece um artista e pergunta: Ah, que legal, mas o que você faz?

Eu mesma escuto esta pergunta tantas vezes. Quando digo que sou artista, a pergunta seguinte, quase inevitável é: Mas o que você faz?

Há algum tempo, percebi que esta pergunta me incomodava um pouco. Porquê dentro da minha mente, mesmo que em milésimos de segundo, eu ia para vários lugares.

"Vixi, já fiz, e faço tantas coisa."

Mas, para simplificar eu dizia: Meus meios de expressão principais são murais e telas, mas experimento outras coisas também. Mas dentro de mim, aquela inquietação de, mas é tanto mais do que isso. E este incômodo pairou por mim por algum tempo, antes de eu entender o porquê esta pergunta não necessariamente definia a minha arte. E mais, por que eu deveria me "contentar com a simplificação"?

Assim como provavelmente não define a arte do tal artista que usou o cobre. Ou mais, que o cobre, ou o muralismo, não são a identidade em si. Desculpa, não sei o nome do tal artista, mas o propósito aqui, é te convidar para uma nova perspectiva. Artista, ou não. Neste universo, as mesmas ferramentas de outras áreas podem ser aplicadas. Explico:

Recentemente me lembrei do Golden Circle de Simon Sinek, em seu TED Talk de 2009. Em certo momento ele diz:

“Cada pessoa, cada organização, no planeta sabem o que fazem. Alguns sabem como eles fazem isso. Que você chame de sua proposição de valores diferenciada, ou seu processo proprietário. Mas poucas pessoas, ou organizações, sabem o porque fazem o que fazem. E por "por que" não quero dizer "fazer lucros." Isso é um resultado. É sempre um resultado. Através do porque, pergunto a sua causa? A sua crença? Por que a sua organização existe? Por que você sai da cama de manhã? E por que alguém deveria se importar? Mas acabamos nos comunicando de fora para dentro. Do "o que", para o "como"e por último para o "porquê". Do mais óbvio, para o menos. Do mais simples, para o mais complexo. Mas pessoas e organizações que se comunicam de dentro para fora dessa série de círculos, são aqueles que mais inspiram.

Em sua fala, usa como exemplo a Apple, e traz um discurso menos inspirador, que a maioria das marcas usam ao dizer que: “Nós fazemos ótimos computadores (o que). Eles são lindamente projetados e fáceis de usar e tem uma interface amigável.(como)"

Nós falamos o que fazemos. E como fazemos. E até mesmo dizemos que fazemos melhor do que outros no mercado. E esperamos assim algum tipo de atitude. Uma compra, um voto, ou coisa do tipo. Outros exemplos:

“Nós somos um escritório de advocacia. Temos os maiores clientes. Somos o maior da região.”

“Esse é o nosso carro. Ele tem assentos de couro, faz tantos km por litro. Ele é o melhor da categoria. Compre ele agora."

Agora, se invertemos a fala, ainda de acordo com os círculos do Sinek, no caso do computador e dizemos:

"Em tudo que fazemos, questionamos e provocamos o status quo, acreditamos em fazer diferente. A forma que desafiamos o status quo é fazendo produtos muito bem projetados. Fáceis de usar e com uma interface amigável. Acabamos fazendo excelentes computadores. Quer comprar um? Ou talvez outro produto? Um rádio? Um relógio? Um serviço? Um aplicativo?”

Ao final da sua fala ele diz: As pessoas não compram o que você faz, mas o porquê você faz o que faz. O negócio é fazer negócio não com pessoas que compram o que você faz, ou como você faz, e sim porquê elas acreditam no que você acredita.

Vamos trazer isso para a arte e para o meu papo com a artista?

Existe um medo entre muitos artistas de serem inquietos. De terem dentro de si um desejo de experimentar diferentes frentes, técnicas, materiais. Mas se contam a história de "que não podem" experimentar outras frentes, porque já são conhecidos "por tal meio", "por tal material", "por tal identidade". Mas não precisa ser assim. Pode, se cabe em você, mas não "tem que". E veja, é algo que eu mesma já me contei, e estou desaprendendo agora também.

Afinal, se falamos da identidade, como parte da personalidade. E a arte, independente se produto ou serviço, como consequência do ser humano por trás daquela criação. A arte como meio de expressão de uma intimidade. Estamos falando do artista. De sua personalidade. De seus gostos, crenças, emoções, motivadores, incômodos. A palavra propósito poderia caber aqui, mas ela coitada, já foi judiada numa busca incessante, e tantas vezes frustradas, de "não termos um propósito" na vida. Por isso, e outras tantas, vou chamar aqui de "porque".

Por que o artista faz arte?

Ou talvez porque você faz arte? - eu perguntei para a artista.

Estamos falando de uma pesquisa. Um interesse. Ou mesmo uma parte de si que mergulha, se conecta, entende. Um tema que se repete. Uma área da vida que te atrai. Que você expressa. Talvez até inconscientemente? Essa é a verdadeira identidade. É um exercício diário de auto observação. Através do autoconhecimento. De expressar e olhar. De entender o processo. De observar o que acontece. E isso leva tempo mesmo. Não é algo que se define, e sim algo que se revela.

O meio, o material é apenas uma ferramenta. E este pode tantas vezes variar, até para mostrar uma diferente perspectiva de um mesmo assunto? É o como o artista expressa aquilo que tantas vezes tem uma necessidade latente de ser expressado. O como é técnica. É a "interface amigável" ou uma "tela bem pintada", é o "cobre”. Se é tela, se é escultura, se é performance ou fotografia é o "o que". O material final. E este também pode mudar. Como um computador, um relógio, um aplicativo. Que parte de um mesmo princípio do "porque". Do questionar um status quo. De se posicionar. Das pessoas não se conectarem com o que você está fazendo, e sim por acreditarem no que você acredita.

Um artista ganha força quando entende o seu porque, e que o meio de expressão é apenas uma perspectiva de tal porquê. E ao ganhar força, entende que não existe competição. Que não existe entender a arte - ou de arte em si. De não tentar buscar um significado em algo que é material. E sim, atravessar esta camada do material, e se conectar à pessoa que está por trás. E ai, conectamos humanos, com outros humanos. E ai mágicas acontecem, mesmo se você, talvez apenas observador se diz "não entender de arte".

Como artista, se você também é artista, te provoco a pensar nisso. Se o seu coração pede para experimentar outros materiais, explore, mas ao mesmo tempo observe, o que conecta tudo isso? O que está por trás? O que sempre aparece? Independente no que você coloca as mãos? Independente do que cria? Do que se propõe a fazer?

E, se você está lendo isso e não é artista, a próxima vez que encontrar um, mesmo que diga que não entende de arte, extrapole também a crença de não entender o que está vendo no que é material? E sim, o porquê o artista está fazendo o que está fazendo? No mínimo garanto um empurrão para o próprio artista se questionar sobre a sua área de pesquisa e mergulho (ops), ou você poderá descobrir que entende mais sobre arte do que imagina. Afinal, é sobre se abrir para um ser humano. É sobre se deixar tocar, sentir, conectar. Para o bem ou para o mal. Nem sempre precisamos acreditar. Ou mesmo gostar.

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